domingo, 25 de março de 2012

"Pina", de Wim Wenders, o corpo em evidência




Tinha que ser Wim Wenders. Primeiramente, pelo fato de sua obra ser uma das mais criativas e coerentes que eu já vi ("Paris, Texas; "Asas do Desejo", "O céu de Lisboa", "Buena Vista Social Club"); e em seguida, porque sua criatividade e coerência fílmicas concorreram para que "Pina" se tornasse uma experiência audiovisual singular.

Cinema, música e dança, tudo isso em 3D e som digital, além é claro da genialidade artística de Pina Bausch (que morreu em 2009, antes do início das filmagens) nos dão a certeza de que nossos sentidos precisam passar por uma limpeza das impurezas que nos invadem corpo adentro.

É hora de sentir o corpo, tomar posse dele, pois estão nos roubando toda a sua magnitude sensorial. A própria Pina Bausch falava "dance, dance, do contrário estaremos perdidos".

Dançar é sentir-se pleno dono de seu corpo. E Wenders, através das coreografias de Pina e performatizadas pelos dançarinos de sua companhia, realiza mais do que um filme do ponto de vista técnico e comercial, mas também um mapeamento simbólico dos espaços e lugares que o nosso corpo pode alcançar.

É certo que ele alcança muito mais do que supomos, até o que supunha a própria Pina. Não é à toa que por isso ela deixava que seus dançarinos cascavilhassem o que poderiam dar de mais pessoal e intransferível para o espetáculo.

"Dance, dance...", repetia sempre ela. Os depoimentos deles (cada um em sua língua materna, há inclusive uma brasileira na companhia) sobre a vivência com a coreógrafa são mudos, ou seja, em off sobre a imagem em plano fechado de seus rostos, mas que se materializam pelos seus corpos em movimentos, seja no palco de um teatro, onde quatro dos espetáculos criados por Pina são representados, como o deslumbrante "A Sagração da Primavera", seja numa rua, estação de trem, praça, em performances solo ou em dupla.

A trilha sonora não somente acompanha a imagem, mas integra a performance visual e gestual dos dançarinos. O diretor é sensível a isso em seus filmes. Nada fica over ou aquém da medida que as linguagens possibilitam, e isso pode ser visto no solo de um deles sob a voz de Caetano Veloso, cantando "O leãozinho".

Não há tradução literal para o alemão da canção em português. O dançarino mimetiza de outra forma a letra que nos é tão conhecida. Wenders desautomatiza nossa interpretação de modo tal que passamos a aceitar, pela estética coreográfica inusitada, esse novo significado da música.

"Pina" é a minha estréia a uma leitura mais atenciosa sobre a dança contemporânea. A curiosidade de conhecer Pina Bausch foi realizada, que neste filme não é explorado aquele padrão clássico de uma cinebiografia, cheia de entrevistados e locução. Se ela não estava viva para apresentar sua própria criação, a protagonizou nos corpos de seus dançarinos, extensões mesmos do seu próprio.

Aliás, o nosso corpo já não sai do cinema o mesmo.