domingo, 12 de agosto de 2012

Serás Amado, Sempre

A imagem que mais me lembra Jorge Amado: ele e sua máquina de escrever


Feliz de uma nação que reverencia seus escritores. Sim. Estou aqui parodiando a frase célebre de Monteiro Lobato, que cunhou que uma nação se faz com homens e livros. Nesse centenário de nascimento de Jorge Amado, esta frase se aninha perfeitamente à sua vida e obra.

É tão bom ver um escritor ganhar o imaginário nacional através de suas criações, personagens e histórias, que independentemente de quase a sua totalidade ser a representação da Bahia, passa a ser a própria imagem de uma identidade brasileira, com toda a sua complexidade social e cultural, mas não menos encantadora pelo drama que lhe faz diferente.

Jorge Amado, malgrado a ainda intensa restrição de certa intelectualidade à sua obra, é a imagem mesma da consagração popular de um escritor. Em parte motivada pelos meios massivos de comunicação, como a televisão e o cinema, a literatura amadiana tem esta aceitação devido à linguagem próxima à fala das  nossas intimidades públicas, ou seja, das nossas vidas mais acessíveis aos outros, cuja familiaridade se dá em diferentes níveis de convivência.

É por isso que quando lemos suas narrativas, seus personagens pululam das páginas como verdadeiros, ou pelo menos, certos conhecidos, o que nos deixa confortáveis para tomá-los como coadjuvantes na aventura literária que aceitamos entrar, à convite de um Exu-guia, o abre-caminho de nossa imaginação, o próprio escritor.

Ao passar os olhos pela estante de minha biblioteca onde estão seus livros, eu me lembro dos momentos de solidão necessária para a sua leitura em casa, no ônibus, na escola, na praia, no avião, na faculdade, enfim, em todos os lugares onde Jorge Amado me puxou para contar suas histórias.

Hoje, vejo como premonitória aquela fase de intensa leitura de Jorge Amado durante a adolescência e início da fase adulta. Mesmo não conhecendo profundamente a obra de Dorival Caymmi naquela época, sentia-me já um caymmiano ao ouvir nas entrelinhas amadianas a trilha sonora feita em parceira com seu compadre. 

Qual não estava sentindo a paixão por Caymmi bater em mim, quando me inundava de emoção ao ler a história marinha de Guma e Lívia, em "Mar morto", embalada pela canção "É doce morrer no mar"? Ou "Terras do Sem-Fim", a partir da qual Caymmi criou a canção "Retirantes", que virou tema de abertura da novela "Escrava Isaura"? E mais ainda, ao ler "Gabriela" e ouvir Gal Costa cantando "Modinha para Gabriela"? 

Foi Jorge, quem me apresentou Caymmi, e isso tudo se confirmou nesse instante que escrevo ao ver o colorido das lombadas das edições variadas do escritor. Livros comprados em sebo, "roubados" de colegas, presenteados pela minha mãe, trocados por outros já lidos, ganhados das editoras por ser professor, encontrados na rua em caixa destinada ao lixo... Jorge Amado à mão cheia. 

Na galeria de imagens de minha memória e experiência com a literatura, aquelas mais emblemáticas são as fotos de Jorge, sem camisa, concentrado e sentado diante da máquina de escrever, dedilhando-a ou a ler um texto já criado... Em sua maioria tiradas por Zélia Gattai na casa do Rio Vermelho, aquelas fotos me davam uma vontade tamanha de usar a Remington portátil que meu pai me deu aos oito anos para também escrever. Achava aquela imagem de Jorge, despojada e natural, a visualização ideal da criação literária. Algo que eu queria ser quando gente grande. 

Se hoje aquela pretensão se aquietou, ainda assim penso como antes sobre a imagem do escritor. De peito aberto, Jorge continua defendendo o que criou. Sem armaduras, o cavaleiro Jorge só usa uma única arma contra os maledicentes: a palavra. Até hoje lida, e sempre amada.

Salve, Jorge!