quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Caymmiando - Parte IV

FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE CACHOEIRA - FLICA 2014


Participei com Stella Caymmi da mesa de abertura, "O tempo de Caymmi", com mediação de Mira Silva. Falei sobre a criação de Dorival Caymmi, cuja técnica está além da pressa e da rapidez, mas baseada em uma leveza e paciência que resultou um cancioneiro pequeno mas grande pelos vários sucessos. Além disso, falei sobre a ideia de bainanidade em sua música e do meu contato pessoal. A última foto, com Emmanuel Mirdad, coordenador geral da FLICA.









Fonte:



TOP MODEL SESC BAHIA


Convidado para participar do jurado do concurso de moda Top Model Sesc Bahia, no Dia dos Comerciários, em Piatã. Os concorrentes usaram figurino confeccionado pelo projeto Rede Recostura SESC inspirados no cancioneiro de Dorival Caymmi. A produção do concurso foi de Cláudio Rebello.









SEMANA JORGE AMADO DE CULTURA E ARTE


À convite de Paulo Atto, Secretário de Cultura de Ilhéus, participei do evento Semana Jorge Amado de Cultura e Arte para falar sobre as parcerias musicais de Jorge Amado e Dorival Caymmi.







Fonte:





Caymmi: do rádio para o mundo - o musical



O espetáculo musical "Caymmi: do rádio para o mundo", texto e direção de Gil Vicente Tavares, com Cláudia Cunha, Diogo Lopes Filho, Leandro Villa e Marcelo Praddo, encena momentos singulares da trajetória artística e pessoal de Dorival Caymmi (1914-2008) para celebrar seu centenário.

Mapeado em boa parte a partir da biografia escrita por Stella Caymmi - "Dorival Caymmi: o mar e o tempo" (São Paulo: Ed. 34, 2001; 2014) -, o texto de Gil Vicente não se atém a uma cronologia passo a passo da vida de Caymmi, dando ao espetáculo um movimento de ir e vir de histórias engraçadas e tristes, como a onda que leva e traz pescadores, sargaços e memórias do mar.

O diretor teve de fato muito trabalho para escolher as 25 canções de Caymmi para alinhavar os momentos de sua carreira, aliás quase todos eles transformados em música a partir mesmo de suas próprias andanças pela secular São Salvador e pela paradisíaca Itapuã, ou ainda pelas ruas de Copacabana. Faltou, é claro, um punhado de outras canções, inclusive emblemáticas do cancioneiro praieiro como "É doce morrer no mar", em parceria com Jorge Amado, que aparece bem nessa trajetória como fiel amigo de Caymmi. Por outro lado, "Canto de Obá", também com Jorge, pouco conhecida, teve uma marcante encenação, pontuando seu lado religioso.

Intrigas e fofocas, amizade e solidadariedade nos bastidores do rádio em torno da ascensão de Caymmi, que sempre pisou devagar e mesmo famoso não andava de salto alto, foram bem inseridas por Gil Vicente, especialmente na relação com Ary Barroso. Supõe-se que ele andou minando o talento de Caymmi, devido ao sucesso estrondoso de "O que é que a baiana tem?", que substituiu uma música sua no filme "Banana da Terra", estrelado por Carmen Miranda. Dizia que Caymmi não inventou a roda fazendo música sobre a Bahia, já que ele cantava a Terra da Felicidade antes do baiano aparecer. No final das contas, ambos terminaram amigos, até fazendo juntos um disco interessantíssimo, no qual Caymmi, pela primeira vez, grava músicas de outro compositor, no caso Ary, que por sua vez toca Caymmi ao piano.
   
Fazer um musical sobre um compositor do quilate de Dorival Caymmi é uma tarefa dificílima, na medida em que, mesmo sendo canções em sua maioria bastante conhecidas,  o elenco e os músicos devem estar harmonizados para que em suas performances nada falte ou exagere, ou seja, que uma leitura de sua obra seja possível, mas que não se perca a forma límpida, leve e lapidar de sua poética.

A direção musical de Luciano Salvador Bahia, neste sentido, soube valorizar nos arranjos a experiência vocal de Cláudia Cunha, ambos já caymmianos em outras praias e palcos, mas especialmente ela, uma brisa fresca e nova em montagem teatral como atriz. Diogo Lopes Filho, Marcelo Praddo e Leandro Villa também potencializaram seus graves à la Caymmi mas, em alguns momentos, a fluidez deu lugar à tensão, talvez um pouco nervosos em dia de estréia. Experientes que são, ajustaram suas vozes à medida que o texto fazia sentido e se tornava sensível em suas interpretações.

Ponto para Marcelo como Ary Barroso, Jorge Amado e Assis Chateaubriand, dando para cada um a medida ideal do tom para suas caracterizações, seja no gestual seja na voz. Ponto também para Diogo, que faz Caymmi, fugindo também da construção de um personagem com semelhanças diretas com o compositor, mas sem perder a simpatia caymmiana. Leandro no papel de Zezinho surpreende, porque, não sendo ele um personagem conhecido, mas nobre por ser o melhor amigo de Caymmi e responsável por levá-lo à Itapuã e inspirador de "Maracangalha", consegue representar a alegria, a malandragem e a cumplicidade que os dois viveram juntos.    

Os músicos Ivan Sacerdote, Márcio Pereira e Wilton Batata captaram essa nova batida de Luciano Salvador Bahia para a música de Caymmi e apareceram bem na percussão, no sopro e nas cordas. Embora compondo quase um fundo cênico para os atores no palco, o coração do musical batia ali, pois sem eles dificilmente o espetáculo ganharia em beleza sonora.

Concebido para o espaço do Café-Teatro Rubi, os atores perdem às vezes a mobilidade quando vão para a platéia. Devido à quantidade de mesas e cadeiras espalhadas, a agilidade de algumas cenas tem seu timing comprometido, o que não impacta na narrativa geral do espetáculo, mas que sugere uma circulação mais solta e melhor. Aliás, a ideia de usar duas pequenas elevações laterais próximas do público funciona bem para que haja uma interação maior, como também para dinamizar diálogos em ações de espaços e tempos diferentes da narrativa.

O figurino simples e funcional assinado por Zuarte Jr. possibilita a troca rápida de uma peça ou adereço para pontuar a mudança do personagem sem comprometer o ritmo da cena. A camisa listada usada pelos homens nos remete a um tempo de boemia musical carioca dos anos 30 e 40 vivido por Caymmi. O vestido longo de Cláudia também remete tanto a alguns modelos com pregas das cantoras do rádio quanto aos de ombros e braços à mostra usados por Carmen Miranda, adequando-se até à inocência atrevida de Gabriela e sua rosa vermelha no cabelo e à simplicidade da garçonete de botequim.

A iluminação embora trabalhando bem o clima das cenas interiores e valorizando o alcance dos gestos dos atores, individualmente em seus pontos nos palcos, em alguns momentos teve equívocos na operação, deixando-os na penumbra durante suas falas ou nas coreografias. Pelo espaço restrito do Rubi, Eduardo Tudella fez uma luz que não incomodasse o público quando a cena acontece na platéia, dando um certo ar intimista dos night-clubs cariocas onde Dorival Caymmi costumava se apresentar com seus sambas-canções.

"Caymmi: do rádio para o mundo" não tem uma produção cara e arrojada como soa geralmente aos nossos ouvidos o anúncio dos musicais da Broadway ou de São Paulo e Rio. Eles podem ser assim também. Caymmi já foi tema de escola de samba com todo seu apoteótico desfile, com toda sua pompa e circunstância. Mas esse espetáculo baiano consegue traduzir de Caymmi o que ele tem de mais belo: a leveza. E assim somos levados por ele, seguros e tranquilos, nas ondas de suas canções.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Caymmiando - Parte III

CENTRO EDUCACIONAL CARNEIRO RIBEIRO - ESCOLA PARQUE


Evento em comemoração à Dorival Caymmi realizado pelo Núcleo de Informação, Comunicação e Conhecimento na Escola Parque, sob a coordenação de Ana Lúcia Cerqueira Ramos e organização de  Prof. Tyrone. Num ambiente festivo com a presença de jovens, adultos e idosos, falei sobre a vida e a obra de Caymmi. Público atencioso e participativo, ensaiei até cantar com os músicos "O que é que a baiana tem?". Depois, como boa festa caymmiana, não faltaram acarajé e abará, duas delícias que a personagem de "A preta do acarajé" vendia em sua porta, quando menino e morador da Saúde e Santo Antônio.





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ESCOLA MUNICIPAL AMÉLIA RODRIGUES


À convite da Profª Joseli Querino, da Escola Municipal Amélia Rodrigues, participei de uma atividade com alunos e professores sobre a baianidade em Dorival Caymmi, cujo objetivo era explicá-los sobre a cultura baiana representada pelo compositor. A partir dessas informações, os alunos fariam ações na escola para homenagear Caymmi, como o desfile de prévia de Carnaval nas ruas do Tororó, onde está localizada.







  


INSTITUTO ANÍSIO TEIXEIRA


Palestra em videoconferência para professores do Estado sobre o cancioneiro visual de Dorival Caymmi, ao lado do maestro Fred Dantas, que falou sobre a diversidade musical na Bahia, e do poeta Cazzo Fontoura, sobre a (in)utilidade da arte. Illy Gouveia cantou Caymmi lindamente. Nide Nobre, da SEC, foi organizadora da mesa. Abaixo, link para a videoconferância





Fonte:


segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Caymmiando - Parte II

CAYMMI! DE ITAPUÃ PARA O MUNDO...


Palestras sobre a representação da baianidade nas canções de Dorival Caymmi em dois espaços culturais da Secretaria de Cultura, como parte da programação em homenagem ao centenário do compositor. A primeira, na Casa da Música, em Itapuã. E a outra, no Centro Cultural de Porto Seguro, na abertura da VII Semana Literária de Porto Seguro, onde eu também falei da relação de Caymmi com João Ubaldo Ribeiro, ambos homenageados no evento.


Casa da Música








Centro de Cultura de Porto de Seguro





Fonte: 



I FESTA LITERÁRIA DA CHAPADA DIAMANTINA


Ao lado de Gessy Gesse, atriz, escritora e ex-esposa de Vinicius de Moraes, e de André Domingues, professor e pesquisador de música, participei da mesa "Caymmi: Identidade e Memória Cultural", um dos homenageados da I Festa Literaria da Chapada Diamantina. Apresentei uma leitura da única marchinha de carnaval composta por Caymmi, chamada "A Bahia Também Dá", na qual ele já antecipa, ainda como amador e antes do sucesso de "O Que é Que a Baiana Tem?", referências afro-baianas em sua música. A Festa teve presença de Danilo Caymmi, como atração musical. 




Fonte:




domingo, 19 de outubro de 2014

Caymmiando - Parte I

Minha trajetória como pesquisador da obra de Dorival Caymmi começou oficialmente em 1998, quando era estudante ainda de graduação em Letras e pesquisava como bolsista de iniciação científica em projeto sobre o compositor. De lá pra cá, várias palestras foram dadas em eventos academicos e artísticos e outros textos publicados em livros, jornais e revistas. 

Neste ano em que se comemoram os 100 anos de seu nascimento, os convites para palestras e entrevistas aumentaram. Fico muito honrado de falar de Caymmi para diferentes públicos, em diferentes ambientes, dentro e fora da Bahia. 

Neste post, a primeira parte de algumas passagens desta caminhada, que eu chamo de "militância caymmiana": boa música para um bom debate sobre a baianidade. 


PERSPECTIVAS EM MOVIMENTO: A REINVENÇÃO DA DIFERENÇA


Palestra "Caymmi e a poética dos sentidos" para o projeto Perspectivas em Movimento, coordenado por Ninfa Cunha. A proposta de comemorar o centenário do compositor a partir das oficinas de dança e teatro realizadas pelo grupo com pessoas de diferentes deficiências foi uma experiência nova em minha carreira, devido ao desafio de usar uma linguagem verbal cujos elementos sonoros e visuais facilitassem a compreensão da própria leitura de vários sentidos que a música de Caymmi possibilita. O resultado posterior, a partir de minha palestra, foi surpreendente e emocionante.  





Fonte:




AUDIÊNCIA PÚBLICA NA COMISSÃO DE CULTURA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

À convite da Deputada Federal Alice Portugal (PCdoB-Ba), presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, estive em Brasília, ao lado de Danilo Caymmi, João Jorge Amado e Ricardo Cravo Albin, para uma sessão especial para debater a importância de Dorival Caymmi para a música brasileira. Em um ambiente formal, mas não menos descontraído, muito propiciado pelos próprios parlamantares presentes ao evento, como Stepan Nercessian(PPS-RJ) e Penna (PV-SP), este o proponente da audiência, falei sobre a minha experiência como pesquisador da obra de Caymmi e a ideia de baianidade em sua canção. 







Fonte:




PROGRAMA "VER TV" - TV BRASIL

O programa Ver Tv, apresentado pelo prof. Lalo Leal (USP), na Tv Brasil, homenageou Dorival Caymmi e fez uma edição especial sobre a presença dele na televisão. Primeiramente a produção enviou uma equipe da TVE me entrevistar em Salvador, mas depois, por decisão da direção do programa, me convidaram para participar do programa inteiro gravado no Rio de Janeiro, onde estiveram presentes Stella Caymmi e Carlos Alberto Sion. A pauta toda foi a performance de Dorival Caymmi, já consagrado no rádio, em um outro meio de entretenimento, a televisão, que passou a colaborar com a indústria fonográfica na divulgação de seus produtos. Caymmi participou de trilhas sonoras de telenovelas e minisséries, além de diversos especiais de música. Posteriormente a este episódio, a produção o condensou e juntamente com outro sobre Vinicius de Moraes, apresentou um programa especial sobre música popular brasileira.






Fonte:





segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A Bahia Também Dá

 
Carnaval 2014 no Centro Histórico em homenagem a Caymmi e ao Bloco Ilê Ayiê

Em 2014, Dorival Caymmi (1914-2008) completaria 100 anos de vida. O Carnaval de Salvador deste ano celebra os 40 anos dos blocos afro, mas não esquece também de homenagear “o cantor das graças da Bahia”, como bem chamou Jorge Amado na apresentação do “Cancioneiro da Bahia”, de Dorival Caymmi.


Em outros carnavais, como o de 2001, o compositor foi lembrado com o tema “Paz no Carnaval”. Nada mais pacífico do que o próprio Caymmi, conhecido pela sua simpatia e cordialidade, para inspirar os foliões a brincarem sem violência. Infelizmente não pôde comparecer à festa, devido a problemas de saúde, mas mandou um abraço enorme com a proteção do candomblé aos foliões: “Eu me vejo no meio deles, eu vejo minha cara sempre no meio do povo. Eu digo: Olha eu lá!” 

Algumas passagens da biografia de Dorival Caymmi como folião no Carnaval de Salvador remontam aos anos 20 e 30 do século XX e são pouco conhecidas, embora muito marcantes para entendermos a relação do compositor com as manifestações culturais e festivas da cidade, que tanto foram recriadas em sua música.

Antes mesmo de pegar o navio Ita e morar no Rio de Janeiro, em 1938, onde começaria de fato sua carreira profissional com o samba “O que é que a baiana tem?”, interpretado por Carmen Miranda, Dorival Caymmi já era frequentador das rádios baianas, nas quais se apresentava sozinho ou com seu conjunto “Três e Meio”. 

Nesse período, Caymmi era sempre citado em colunas do meio radiofônico local pela originalidade de suas primeiras canções praieiras, fruto de seus veraneios em Itapuã, sendo inclusive “imitado” por outros cantores e compositores de sua geração. 

Ainda amador, mas levando a sério esse diletantismo (tocar violão já não era mais uma brincadeira, inclusive não arriscou que o amigo Dodô instalasse no seu instrumento um amplificador, que experimentado em outros violões viraria pau-elétrico), Caymmi vinha se revelando aos ouvintes dos programas das rádios Clube, Sociedade e Comercial como uma “novidade”, já que as músicas que tocavam eram na maioria artistas de fora da Bahia. As próprias emissoras da cidade não tinham a mesma estrutura das rádios cariocas, com elenco e bandas próprios para atrair a audiência. 

Em 1936, Caymmi inscreveu duas composições suas, “A Bahia Também Dá” e “Lucila”, em um concurso de marchinhas carnavalescas promovido pela Rádio Comercial. Durante o mês de janeiro daquele ano, os ouvintes recortavam uma cédula de votação publicada diariamente no jornal O Imparcial com o nome das músicas concorrentes. Ao final do concurso, deu Caymmi em 1º e 3º lugares, respectivamente com “A Bahia Também Dá” (2.667 votos) e “Lucila” (882). Tomando a população de Salvador de quase 370 mil habitantes nesse ano, com a variante de que uma minoria podia ter aparelho de rádio e outra pequena quantidade lia jornal, a receptividade do público com a votação de suas duas marchinhas foi até considerável. 

A marchinha vencedora “A Bahia Também Dá” parece uma provocação carnavalesca à supremacia desse gênero musical tipicamente carioca, mostrando que não era só no Rio de Janeiro que a batucada era animada. Pena essa composição nunca ter sido gravada por Caymmi pelo fato de ele próprio não ter registrado a melodia, mas salvou a letra que nos dá algumas proximidades simbólicas com o Carnaval soteropolitano de hoje.

Ele convoca nessa marchinha a “macacada” (gíria da época que significa galera ou patota) dos bairros de Jacaré, Liberdade, Curva Grande, Pau Miúdo e Curuzu para se alistar no “cordão” (o mesmo que bloco) para “enfezar” (fazer barulho, contagiar) no Carnaval. Não podiam faltar mulheres nesse bloco, preferencialmente morenas do Japão e do Matutu. A bateria de lata e o violão davam a cadência e o ritmo da batucada. À frente, um negro a batucar e com um estandarte escrito “A Bahia Também Dá”, abria alas pelas ruas da cidade para o cordão passar. 

Quando Caymmi abre seu bloco para que todos de bairros distantes ou pobres participassem do Carnaval, ele conclamava mesmo (“mandei vir gente lá do Curuzu”) toda a periferia para descer e ocupar o Centro de Salvador (Rua Chile), onde o desfile dos clubes de elite branca em carros alegóricos luxuosos tinha mais espaço do que os grupos negros e com menos recursos, recanteados pela Prefeitura à Baixa dos Sapateiros. O Carnaval oficial da pompa ficava no alto; o popular, no baixo.

Nesse período, cordões e batucadas, com fortes referências afro-baianas, começaram apontar na vaga da decadência dos carnavais dos clubes Cruz Vermelha e Fantoches da Euterpe. A quantidade desses grupos musicais crescia tanto, que se transformou na principal agremiação carnavalesca. Segundo Donald Pierson (autor de “Brancos e Pretos na Bahia”) que, coincidentemente em 1936 fazia uma pesquisa sociológica sobre as relações raciais em Salvador, flagrou naquele Carnaval várias batucadas como a descrita da música de Caymmi, com componentes de maioria masculina e negra.

Está certo Antonio Risério, quando em seu livro “Caymmi: uma utopia de lugar” descreve o compositor como “etnógrafo de ouvido”, justamente por ele ter sido atento e curioso a uma cultura baiana marcada por referências musicais negras, das quais o próprio não perdia tempo em vivenciar.

É emblemático, ainda, como “A Bahia Também Dá”, além de afirmar uma diferença tanto no Carnaval soteropolitano quanto em relação ao do Rio de Janeiro, também do ponto vista da formação de grupo não levanta cordas para limitar quem quisesse se integrar. Não existia a mercantilização de fantasias para brincar, embora é claro certa contribuição era (e é) necessária para manter a estrutura dos blocos. E mais, antes mesmo da fundação em 1974, no Curuzu, do bloco afro Ilê Ayiê, Caymmi 38 anos antes já sinalizava que de lá era preciso vir gente para o Carnaval. Isso diz muito, porque Caymmi já apontava para a importância dessa comunidade negra para marcar presença. 

Caymmi, após mais de 30 anos morando no Rio, volta a residir em Salvador na década de 70, momento em que surgem os blocos afros e se renascem os afoxés, como Filhos de Gandhy. Ou seja, ele volta num momento de revigoramento musical baiano a partir das referências negras nele inscritas e fundadas. Ele mesmo nessa década se envolveu mais intensamente com o candomblé e fez um disco chamado “Caymmi” (1972), cujo repertório, por exemplo, “Oração de Mãe Menininha” e, pela primeira vez em desenho seu para a capa de um disco, uma referência nitidamente a seu orixá: o oxê (machado duplo) de Xangô. Gravou ainda em 1975, “Afoxé”, cuja letra já existia antes até da criação do Filhos de Gandhy, em 1949.

Em entrevista ao jornal A Tarde, edição de 7 de janeiro de 1980, Caymmi fez uma retrospectiva dos anos 70 que viveu em Salvador, época dos movimentos políticos e culturais negros, como o “Black Power” e o Rastafaranismo, espraiados pelo Atlântico Negro, que desaguaram na Bahia: “A visão minha é que a gente tem que estar ligado às raízes. (...) Era a hora do Black Power, [mas] a gente continuava dizendo, olhe isto aqui, olhe o samba de roda”.

Comemorar o centenário de Dorival Caymmi no Carnaval  2014 é também celebrar, juntamente com os blocos afro, cada um com sua experiência anti-racista e afirmativa, a história de luta e conquista do povo negro dessa cidade, que ainda tem muito que ser respeitada e reverenciada.



terça-feira, 5 de agosto de 2014

Nordestinidades Caymmianas



Artigo publicado na Revista Nordeste. Link para edição e abaixo texto original


Dorival Caymmi completaria 100 anos no dia 30 de abril de 2014. Ao falecer, em 2008, com 94 anos de idade e 70 de carreira, o compositor deixou registradas 120 composições em seu cancioneiro. Tomando a referência de quase um século de trajetória pessoal e artística, e comparando com outros compositores com menos tempo de idade e de experiência, a ideia é de que Caymmi produziu pouco, o que preconceituosamente reativa sua imagem de preguiçoso e por extensão a do baiano. 

Dorival até admitia que o chamassem de preguiçoso, mas esclarecia que sua preguiça era laboral e contemplativa quando era criar. Dizia que, enquanto muitos compositores de sua época se gabavam que tinham 200 ou 300 músicas na gaveta, ele ao contrário só contava que tinha muito menos do que isso, mas tudo com qualidade, porque quanto mais acumulavam, mais davam impressão de que havia bagulho no meio. 

A obra de Caymmi é resultado de sua experiência simbólica e material, afetiva e festiva, social e cultural com Salvador, onde viveu até os 23 anos e depois por quase uma década nos anos 70, e com o Rio de Janeiro, onde, por mais de 60 anos, construiu sua carreira profissional e a sua família. É certo que a maioria de suas canções está diretamente ligada à sua memória baiana, mas sua mediação como baiano em outros contextos e identidades possibilitou que a sua criatividade musical abarcasse outras referências culturais, transformando a Bahia universal. Mas não só a sua terra, o Nordeste também. 

Embora a Bahia seja no complexo identitário do Nordeste um território específico em termos físicos e humanos, ainda assim faz parte de uma invenção de Brasil a partir de engendrações políticas em vários períodos da história nacional como uma região à margem de um modelo evolutivo e modernizante econômico e social. Quando se fala da Bahia, não a dissociam do Nordeste, até porque a caracterização mais restritiva de seu clima e natureza, a saber, o semi-árido, compõe a maior parte de suas dimensões territoriais. 

Assim como a Bahia, o Nordeste não é somente seca. E Caymmi como seu representante, sem estar filiado a grupos institucionalizados, mas nem por isso alheio ao poder de afirmação que sua música passaria a operar no imaginário nacional, mostrava o quanto que a voz do Nordeste através da música não se calaria diante do preconceito e da exclusão. 

Dorival Caymmi era contemporâneo de Luiz Gonzaga, circulando e se cruzando com ele nos corredores das rádios e nos points artísticos do Rio de Janeiro das décadas de 1940 e 1950, quando a produção radiofônica e fonográfica irradiava para todo o País a diversidade musical de seus artistas. Caymmi com seus sambas baianos e Gonzagão com seus baiões afirmavam a imagem do Nordeste a partir de sua pertença de lugar mais íntimo. Cada um na sua nordestinidade dimensionava suas identidades culturais em dicções e estéticas sonoras diferentes, mas iguais no intento de cantar e traduzir suas experiências nordestinas para um público acostumado a ouvir até então apenas marchinhas cariocas. 

Já de alcançado sucesso, depois de estrear em 1939 com seu samba “O que é que a baiana tem?” e com o qual Carmen Miranda tornou-se internacional, Caymmi em 1941 assina contrato para fazer sua primeira turnê fora do Rio de Janeiro. Assim, passou sete meses viajando pelo Nordeste, estrelando programas de rádio em Fortaleza, Recife e Maceió, além de Salvador. Seria seu primeiro retorno à sua terra natal. 

Em Fortaleza, em 17 de outubro, além de iniciar a temporada na Rádio Clube de Fortaleza, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão da Presidência da República sob o mandato de Getúlio Vargas, aproveitou a presença de Caymmi para fazer um curta-metragem baseado em sua canção praieira “A jangada voltou só”. O próprio compositor atuou como pescador, que na praia se despede de sua amada antes sair para o mar. A gravação foi feita em Mucuripe mais ou menos um mês depois que quatro pescadores embarcaram na jangada São Pedro para a uma viagem inimaginável do Ceará ao Rio de Janeiro em protesto à falta de amparo social e trabalhista do governo federal a seu ofício, além de denunciar a exploração dessa mão-de-obra no mercado local pelos donos das peixarias. 

Coincidência ou intencionalmente com o propósito de desviar a atenção da ousadia dos jangadeiros ao governo getulista, certo é que a popularidade de Caymmi já era uma referência de Nordeste a partir de sua marca como cantor dos mares nordestinos. Mesmo que o ambiente original a partir do qual essa canção foi inspirada não fosse cearense, mas sim a comunidade de Itapuã, a representação do pescador na luta diária em ambiente hostil, mas paradoxalmente necessário à sua sobrevivência, tinha em Caymmi a personificação artística e simbólica deste imaginário modernista e popular. 

Em Recife, compôs uma de suas canções mais conhecidas, “Dora”. Stella Caymmi, neta e biógrafa do avô, reproduz o que ele revela ter sido a fonte de toda inspiração para a letra: uma mulata que dançava freneticamente ao som do frevo de um bloco chamado Pão da Tarde. Desfilava com a intenção de arrecadar dinheiro para o Carnaval, dali a dois meses. Mas segundo Caymmi a animação da banda e da mulata era tanta que parecia tempo da folia. Letra e música saíram na hora. 

Embora pernambucana, Dora compõe, assim como Marina (do samba-canção homônimo, gênero tipicamente carioca) e Rosa Morena (samba “sacudido” baiano), a galeria de mulheres caymmianas que, independentemente de suas origens, são altivas e cheias de dengo e graça, além de performáticas na dança. Antonio Risério, autor de “Caymmi: uma utopia de lugar”, chama-o de “poeta do bumbum em movimento”. 

Em 2004, num show em Recife da turnê de Nana, Dori e Danilo Caymmi do CD comemorativo aos 90 anos de Dorival, os irmãos inseriram “Dora” no repertório com exclusividade para a apresentação na cidade. Em meio à maioria de sambas baianos e canções praieiras, Nana Caymmi, que depois do pai é a voz que melhor interpreta a mais pernambucana das músicas de seu cancioneiro, ao cantá-la deu uma demonstração emocionada do quanto Dorival Caymmi se rendeu às belezas de Dora e do “Recife dos rios cortados de pontes”. 

O ambiente praieiro de suas memórias soteropolitanas foi irradiado a partir do Rio de Janeiro como representação de um paraíso terreal, onde pescadores, sereias e coqueirais compunham um modo de bem-viver nordestino para além da Bahia, mas a tomando como certa idealização idílica de integração homem-natureza. Com a maior faixa litorânea do país, o que resulta indiscutivelmente vozes marinhas de uma memória popular em folguedos, cantos e manifestações culturais, o Nordeste tem o mar como uma de suas imagens simbólicas mais recorrentes no imaginário nacional. Dorival Caymmi inaugura essa mitologia praieira, confirmado por Luís da Câmara Cascudo, folclorista potiguar, como único do gênero na música brasileira.

Em seu centenário, a obra de Caymmi se reafirma como acolhedora de um tempo, cujo ritmo não era medido pela ansiedade ou celeridade das ações. A maré ditava o vaivém de suas ondas musicais. Tudo para Caymmi tinha seu curso temporal em prol dos sentidos. Cada ponto sensorial tem que ser destacado na sua criação e recepção. Tudo urdido e equilibrado pacientemente para ser contemplado. Gilberto Gil, seu aprendiz, compôs “Buda nagô”, uma das homenagens musicais mais belas para o mestre Caymmi, com os seguintes versos: “Dorival é belo/ Dorival é bom/ Dorival é tudo/ Que estiver no tom”.



sábado, 28 de junho de 2014

Residência Artística no Instituto Sacatar


Escritor vai desenvolver ensaio sobre Dorival Caymmi e Xavier Marques


Marielson Carvalho foi selecionado para residência artística no Instituto Sacatar, numa parceria entre a instituição e a FUNCEB
A Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), entidade vinculada à Secretaria de Cultura do Governo do Estado da Bahia (SecultBA), divulga resultado de seleção para residência artística de escritor no Instituto Sacatar. Através de uma avaliação que visa ao desenvolvimento da literatura baiana, a FUNCEB e o Sacatar selecionaram a proposta de Marielson Carvalho, que vai realizar, entre agosto e setembro deste ano, um ensaio de crítica literária sobre a relação material e simbólica entre dois tradutores de uma tradição baiana ligada ao mar: o compositor soteropolitano Dorival Caymmi e o escritor itaparicano Xavier Marques.
Marielson estava entre os seis artistas pré-selecionados pela FUNCEB e que passaram pela entrevista direta com o Sacatar. Reconhecendo a qualidade da trajetória e das propostas dos candidatos finais, o Instituto registrou elogios a eles. A escolha pelo nome de Marielson se deu pela perspectiva de seu projeto, que une mérito artístico e cunho social, e cujo título é Dorival Caymmi e Xavier Marques: Praieiros do mar de Salvador e de Itaparica.
Residente em Salvador, com 40 anos de idade, Marielson Carvalho é professor de Literatura da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), no Campus Irecê, desde 2006. É graduado em Letras Vernáculas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA, 1999); mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB, 2004), onde defendeu a dissertação que deu origem à biografia crítica Acontece que eu sou baiano: identidade e memória cultural no cancioneiro de Dorival Caymmi (Eduneb, 2009); e doutorando em Literatura e Cultura na UFBA, com o projeto Atlântico afrobaiano: textualidades, performances e trânsitos musicais entre África e Bahia. Seus temas de interesse estão nas áreas de literatura e cultura brasileiras e africanas, sob a perspectiva da crítica cultural, pós-colonialidade, raça, identidade nacional, identidade e memória cultural e baianidade. Está escrevendo seu segundo livro, Caymmianos: perfis de personagens de Dorival Caymmi, para o centenário do artista, com previsão de lançamento para o final do ano.
O Sacatar e a parceria com a FUNCEB – Iniciado em 2001, o Instituto Sacatar (www.sacatar.org), localizado na Ilha de Itaparica, é a primeira residência internacional para artistas estabelecida no Brasil e uma das maiores da América Latina, propiciando a indivíduos criativos o espaço e o tempo livre para desenvolverem novos trabalhos. Suas metas são oferecer um lugar onde artistas possam conviver e criar; facilitar a interação e a colaboração dos artistas com a comunidade; aumentar a visibilidade e o impacto cultural da cidade e da nação; e estimular a arte que nos remete ao ponto onde ela nasceu: o silêncio profundo diante de toda a criação.
Esta parceria com a FUNCEB vem tentar reverter o fato de que a participação de artistas locais neste processo vem sendo aquém do esperado, especialmente na área da literatura. O artista selecionado terá condição de estar inserido em um ambiente voltado única e exclusivamente para a produção. O contato com artistas oriundos de outros estados e países promoverá o intercâmbio de ideias e técnicas, podendo repercutir em futuros projetos realizados por esses agentes. Assim, a parceria poderá contribuir, também, para a difusão da produção literária baiana no âmbito internacional, para o estímulo à indústria editorial baiana, preparando as editoras para o processo de internacionalização, e para uma maior articulação entre o governo, as editoras e instituições artísticas privadas.
A partir de uma inscrição pública, que esteve aberta de 17 de abril a 19 de maio, a seleção teve como critérios a relevância da atividade a ser realizada no panorama da produção literária contemporânea, a adequação do projeto ao histórico de atuação do candidato, a contribuição do projeto para a difusão e valorização da produção cultural da Bahia, a objetividade e a viabilidade da proposta, bem como o potencial mobilizador e de integração do inscrito entre a arte e o público.

Fonte: http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/noticias/escritor-desenvolver-ensaio-dorival-caymmi-xavier-marques

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Rosas de Abril para Caymmi


Dorival Caymmi, senhor do tempo ideal da criação


Ao homenagearmos o centenário de Dorival Caymmi no dia 30 de abril, estamos não só celebrando a trajetória pessoal e artística de um dos maiores compositores da Música Popular Brasileira nos séculos XX e XXI, como também reconhecendo seu cancioneiro como uma das expressões mais singulares de nossa memória cultural soteropolitana.

A baianidade caymmiana é a tradução de uma identidade cultural a partir de sua própria experiência, ou seja, de suas interações e trânsitos identitários e sociais em diferentes contextos, não apenas baiano, o que o desvincula da ideia de uma baianidade institucionalizada e ideologicamente formatada por políticas de governo na área de cultura e turismo.

É claro que sua criação não está dissociada da identificação que ele teve desse lugar simbólico e material chamado “Bahia de São Salvador, (...) pedaço de terra que é meu”. Foi a partir dele mesmo que Caymmi selecionou referenciais com base em critérios particulares, independentemente de filiação ou descendência direta a uma identidade preconcebida ou naturalizada.

Nada falta ou exagera nas suas canções praieiras ou sambas. Tudo está na medida exata de seu tempo afetivo e criativo. Está tudo ali articulado e integrado. E quando cai na boca do povo elas soam como se estivessem desde sempre feitas, nascidas sem precisar de adereços, arremates e afins. Daí que ele mesmo dizia que era preguiçoso sim, porque a sua produção não passava de 100 canções, mas todas obras-primas. Não dava impressão de que existia bagulho no meio.
         
Até sua morte em 16 de agosto de 2008 aos 94 anos de idade, a conta já tinha passado de 100 e fechou em 120 composições. Até não surgir de sua maletinha de couro ou de sua coleção de agendas um rascunho, um verso ou mesmo uma canção inteira, Caymmi era um dos poucos compositores vivos, aos 70 anos de carreira, com menor número de canções... A delicadeza e o perfeccionismo caymmianos na hora de compor resultaram um cancioneiro cujas forma e conteúdo são inigualáveis e insubstituíveis.
       
A naturalidade com que compunha e interpretava suas canções não deve ser confundida com improviso. O rigor estético de Caymmi é comparável a de um artífice ou ourives, e mesmo aqueles de ouvidos mais atentos não conseguiram pegar o seu jeito de tocar violão, mas o reverenciavam como mestre. João Gilberto que o diga.

Caetano Veloso, em depoimento no CD Caymmi Inédito (1994), fala que João Gilberto o alertava para que visse em Caymmi, e não nele, o começo de tudo. Gilberto Gil em seu recente álbum faz uma homenagem aos dois na canção “Gilbertos”: “Foi Dorival Caymmi quem nos deu/ A noção da canção como um liceu/ A cada cem anos um verdadeiro mestre aparece entre nós/ E entre nós alguns que o seguirão ampliando-lhe a voz e o violão”.

Depois de 32 anos morando no Rio de Janeiro, desde quando embarcou no Ita aos 23 anos, Caymmi retorna para Salvador na década de 1970 e, como os pescadores de Itapuã, traz “o peixe bom” (suas canções) para ali, na casa de Pedra da Sereia, no Rio Vermelho, continuar sua produção. É neste momento que Caymmi se envolve mais com o candomblé e grava o LP Caymmi (1972), o último trabalho com maior número de canções ainda não gravadas por ele ou de canções inéditas, como “Oração de Mãe Menininha”, além do último álbum em cuja capa tinha a reprodução de uma pintura sua, neste caso uma sereia morena de longos cabelos verdes e atrás dela vários oxês (machado de Xangô, seu orixá e do qual era Obá no Ilê Axé Opô Afonjá).

Mas como ainda estava no auge da carreira e tinha muitos compromissos profissionais no Rio de Janeiro, além de toda sua família morando lá, Caymmi voltou, mas continuou saudoso de sua terra. Suas passagens por Salvador incluíam roteiros sentimentais por lugares que marcaram profundamente sua memória e identidade, e que foram poetizados em sua dicção musical.

Nada justifica certa má vontade ou indelicadeza de alguns baianos ao criticarem as escolhas pessoais de Caymmi ou mesmo o considerarem “inventor” de alguns mitos negativos do baiano. Qualquer um, até quem não é baiano, pode ter sua imagem de Bahia. Caymmi é original, porque sua mitologia baiana é a própria idealização de seu estar e ser neste mundo praieiro de sereias, espumas e sargaços, ou de  rodas-de-samba, afoxés e festas de rua, ou ainda de azeite de dendê, balangandãs e orixás.

Em sua última passagem pela Bahia, em 2006, quando recebeu o Prêmio Jorge Amado de Cultura e Arte pelo conjunto de sua obra, Caymmi mesmo sem poder andar, e ainda com visão e audição comprometidas, fez três pedidos que muito simbolizavam para ele toda sua baianidade: ir à Igreja do Sr. do Bonfim, comer acarajé e sentir o cheiro do mar de Itapuã.

Pedidos atendidos, Caymmi morreu realizado. “E assim adormece esse homem/ Que nunca precisa dormir pra sonhar/ Porque não há sonho mais lindo/ Do que sua terra, não há”. Esses versos finais de “João Valentão”, uma das músicas mais lindas de seu cancioneiro, são o epitáfio perfeito para a leveza, a paciência, a genialidade de Dorival Caymmi.