Foto: Marielson Carvalho
O prédio da antiga sede do jornal A Tarde, na Praça Castro Alves, atualmente sendo reformado para instalar um hotel de luxo, é uma das construções que mais marcam minha memória visual e afetiva como soteropolitano. Quando minha mãe comprava roupas na Rua Chile, especialmente na Sloper, passávamos pela calçada do prédio. Nesta época, início da década de 80, a redação já tinha sido transferida para sua nova sede no Caminho das Árvores, mas na porta principal do prédio ainda rebrilhava, à luz do sol das tardes quentes de Salvador, o nome do jornal, em letreiro de metal dourado.
Nunca entrei por este pórtico, que sempre me pareceu altíssimo, mesmo depois de adulto, quando as proporções das coisas tomam seu volume (quase) real. No máximo, subi alguns degraus até sua calçada, de onde já se pode ver, com certa altura privilegiada, a praça em frente, a baía e a ilha. Quão deve ser deslumbrante do último andar!
Se de fato o prédio for reaberto e nele funcionar um restaurante na cobertura, serei um freqüentador assíduo. Um café com amigos, contemplando o pôr-do-sol, será um dos meus "dolce far niente" preferidos. Resta saber, quanto custará este programa.
Soube que o prédio foi vendido por R$ 30 milhões a Nizan Guanaes há algum tempo, que por sua vez deve ter vendido ao grupo hoteleiro ou mesmo, o próprio publicitário estar explorando este filão, já que é mais do que anunciado seu interesse em investir no setor de entretenimento local.
No andar térreo, do lado da Rua Ruy Barbosa, ficava o Cine Tamoio. Nele assisti a vários filmes, mas especialmente, a dois: ET e Passagem para Índia. Assim como o prédio, a sala de cinema se transformou em outra coisa. Virou igreja evangélica. Com a reforma do antigo Cine Glauber Rocha, que passará a ser Multiplex Unibanco, espero que essa região da Cidade Alta volte a ser um dos centros da cena cultural soteropolitana.
ROSARIUM
Ao atravessar o saguão, em direção ao elevador aberto, Rosário foi chamada por um homem vestido de terno de linho branco. Ele tirou o chapéu e ajoelhou-se na entrada do prédio. O ascensorista apertava a campanhia, informando que fecharia as portas. Ela parou, estava indecisa. Se entrasse, subiria ao terceiro andar, onde trabalhava, na redação do jornal, Carlos, seu noivo. Esperava há dez anos casar-se com ele, mas o jornalista, envolvido com política, esquecera que a vida tinha outros sabores, como o de beijar a noiva com gosto de pastilha de hortelã no escurinho do Cine Tamoio, ali mesmo no subsolo de A Tarde. Era só descer, virar a esquina e pronto. Mas isto nunca aconteceu. João, naquela sexta-feira, havia prometido levá-la para ver “Casablanca” se dissesse que terminaria o noivado e ficasse com ele. O sol da tarde entrava fulgurante pela arcada e projetava no chão de mármore bege a sombra de João ajoelhado. O elevador subiu. Ela ainda apertou o botão, mas já estava no primeiro andar. João a pediu para não ir e tirou do bolso interno do paletó uma rosa vermelha e lhe ofereceu. Esta seria a segunda que ganharia de João. Antes, foi presenteada quando se conheceram numa feira de flores no Passeio Público. Estava tristonha por ter brigado com o noivo. João a acolheu, e a colheu, no jardim da desilusão. Regou Rosário com cuidado. Semeou-a. Agora era a hora do arranjo, da fita, do cartãozinho. O enlace. Ela aceitou mais uma vez, sob olhares perplexos dos colegas de Carlos, que neste momento, na sala dos Simões, aceitava coordenar a cobertura da campanha ao governo da Bahia daquele ano. João e Rosário assistiram à “Casablanca”. Carlos foi obrigado a assistir, pois um dos elegíveis ao Palácio disse ser um dos melhores lançamentos do ano, além de sua candidatura, é claro.
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