domingo, 3 de junho de 2007

Música é Perfume


Que fragrância tem a voz de Bethânia? Como num efeito sinestésico, de combinação mesmo de sensações diferentes, conseguimos aspirar de seu canto um aroma de buquês... De flores ou de vinhos, não importa, mas, sem dúvida, raro e especial.

No documentário “Maria Bethânia: música é perfume”, entendemos o porquê dessa voz nos envolver tanto... Ouvi-la pela primeira vez é como sentir o cheiro de um perfume. É marcante, impactante, definitivo.

É etéreo, mas palpável, porque suas palavras nos chegam aos ouvidos encorpadas, sólidas... Tudo nos leva a sentir que elas penetram e vibram com uma força inexcedível a nossa memória afetiva. Letra e voz se amoldam perfeitamente.

O que sinto, por exemplo, ao ouvi-la cantar “Bom Dia, Tristeza”, de Vinícius de Moraes e Adoniran Barbosa, é inexplicável, que nem mesmo a letra da canção consegue dar a pista dessa reação tão misteriosa. E não é tristeza, diria, é uma melancolia que não me põe às lágrimas de pesar, mas uma melancolia que remete a uma nostalgia resultado de um momento feliz...

Quando Bethânia canta esta música no filme, ou melhor, quando a cena mostra ela ouvindo a si mesma, com os olhos fechados e acompanhando baixinho, baixinho, em estado de profunda introspecção, me pergunto: “Será que ela mesma está inebriada com o próprio perfume de sua voz?”.

O documentário traz depoimentos do amigo Chico Buarque, do mano Caetano Veloso e da mama Dona Canô. O diretor acompanhou o show “Brasileirinho” e, posteriormente, a produção do cd “Que falta você me faz” e do dvd “Tempo Tempo Tempo Tempo”, inserindo cenas de bastidores e do processo criativo de Bethânia, que de princípio reagiu meio à contragosto ao projeto, porque não se considerava compositora, mas intérprete, por isso não tinha uma obra que fosse interessante o suficiente para se fazer um documentário.

Modéstia à parte, o fato é que o filme comprova o contrário. Bethânia tem, sim, uma obra a partir da ressignificação da criação de outros. Através de sua performance vocal e gestual, a cantora traduz o que Vinícius, Caetano, Chico, Gonzaguinha, Gil e outros tantos compositores criaram. E isso é confessado por ela mesma, quando fala que alguns versos e palavras de canções de Chico foram mudados porque não se amoldavam à sua dicção. Tudo acertado amigavelmente.

George Gachot, franco-suíco, mesmo não sabendo português, confessou ter sido fisgado pela voz de Bethânia, quando a ouviu pela primeira vez em um show na Suíça (Montreaux), e encantado decidiu registrá-la em película, esta tão fina e sensível quanto à dos nossos tímpanos. Algumas cenas foram cortadas porque Bethânia não quis que o diretor mostrasse (quase nada atendida) intimidades suas registradas, como a da comemoração no camarim entre ela, Nana e Miúcha após a gravação da participação das duas no dvd “Brasileirinho”.

Dividi este momento feliz, o de assistir ao filme, com minha amiga Telma, também colega de trabalho. Ela não viu que eu chorava na cena final, quando Bethânia cantava “Melodia Sentimental”, de Heitor Villa Lobos e Dora Vasconcellos, talvez, como eu, estava tão profundamente atenta, tocada e iluminada pela sua voz que, “clara e serena”, vibrava naquele escurinho de cinema. E eu chorava enquanto subiam os créditos...

O título, a propósito, deve ter sido tirado da própria Bethânia, quando em uma declaração sua revela que cantar, que a música é como um perfume... Somente ela mesma para saber o olor (e o valor) de sua voz. Tanto éterea, como eterna, enquanto penetrar e ressoar dentro em mim, dentro em nós...

Um comentário:

Anônimo disse...

necessario verificar:)